Educaçao superior e suas finalidades além da legislação no Brasil: seletivismo e generalismo


Higher education and its purposes beyond brazilian legal frameworks: selectivism and generalism


La educación superior brasileña y sus finalidades más allá de las normas: selectividad y generalismo


Fabiane Clemente1


Recibido, 12 de diciembre de 2016 - Aprobado, 30 de diciembre de 2016


Resumo

A legislação brasileira em seu histórico traz em seu contexto um viés da educação superior seletista e quanto à diversificação institucional, ainda generalista. A pesquisa se propõe um levantamento das principais normas que identificam as finalidades da educação superior. A abordagem, de natureza exploratória, bibliográfica e qualitativa, permite inferir que os principais papéis das instituições de ensino superior brasileiras direcionam para a formação técnica e comportamental de qualidade, formação cidadã, formação de seres humanos reflexivos, socialmente ativos e que sejam capazes de transformar a sociedade em um mundo melhor. Apesar da distinção das ferramentas ensino, pesquisa e extensão, direcionadas aos diferentes tipos de instituições de educação superior, as finalidades do sistema continuam a ser generalistas, e especialmente no atingente á pesquisa, fortemente seletivas.

Palavras-chave: Função. Finalidades. Educação Superior. Legislação, Brasil


Abstract

The Brazilian legislation on Higher Education along the time brings a bias of selectivism and generalism despite the institutional diversification of the system. The purpose of this research is to anlyze and discuss Higher Education aims and purposes within norms and regulations given by the legal framework. Using an exploratory, bibliographical and qualitative approach it can be inferred that the main roles of Brazilian higher education institutions are mainly oriented towards quality in technical and behavioral training, citizen training, formation of reflexive, socially active human beings capable of transforming Society into a better world. Despite the distinction between teaching, research and extension, which are assigned to different types of Higher Education institutions the whole purpose of the system continue to be generalist and selectivist, especially regardging the function of research concentrated in just a few number of institutions.

Keywords: Function. Purposes. Higher Education, Legislation, Brazil



Resumen

La legislación brasileña en su contexto histórico tiene una mirada selectiva en cuanto a la educación superior, y pese a la diversificación institucional registrada en años reciente, continúa siendo fuertemente generalista. Esta investigación tuvo como objetivo analizar los principales marcos legales y regulatorios que preven y regulan los fines de la educación superior. A partir del análisis documental y bibliográfico y de un abordaje cualitativo, se puede inferir que las principales funciones de las instituciones de educación superior de Brasil se refieren a la formación técnica y comportamentel de calidad, a la educación cívica, la formación de seres humanos reflexivos, socialmente activos y capaces de transformar la sociedad para mejor. A pesar de la distinción practicada en lo relativo a las funciones de enseñanza, investigación y extensión, atribuidos a diferentes tipos de instituciones de educación superior, los fines perseguidos continúan teniendo una fuerte impronta generalista y selectivista, en especial en lo relativo a la investigación, concentrada en un número limitado de universidades.

Palabras clave: Función. Fines. Educación Universitaria. Legislación. Brasil.




1 INTRODUÇÃO

As tendências da Educação Superior no mundo convergem para alguns pontos que influenciam diretamente a uma reorganização das instituições de educação superior (IES), uma vez que essas precisam se adaptar cada vez mais às novas exigências que emergem da sociedade. O aumento da oferta e demanda (massificação do sistema), a diversificação do setor produtivo devido às novas tecnologias, o próprio advento da globalização, a introdução das tecnologias da informação na educação, entre outros (Brunner, 2005, Dávila, 2008), são fatores que se destacam no século XXI e que afetam diretamente essas instituições.

Em resposta às várias situações emergentes expostas, nasce um cenário na educação superior que abarca também novas formas de reação desse campo junto às mudanças sociais que vem acontecendo. O pluralismo institucional das instituições de educação superior, a proliferação do setor privado para atender o aumento da demanda, a diversificação das fontes de financiamento e a maior adoção de culturas organizacionais voltadas para a inovação e o empreendedorismo (Brunner, 2005, Dávila, 2008) são cenários que estão sendo vivenciados pelas IES no século XXI.

Visto que o próprio contexto do século XXI traz uma diversificação de instituições em todo mundo, não somente no Brasil e essa complexidade, tanto de identidade institucional e organizacional quanto nas relações existentes entre os atores que interagem direta ou indiretamente com as IES, leva a inferir que cada instituição poderá ter papéis distintos na sociedade. Esses múltiplos papéis, que podem ser de uma instituição ou várias instituições com suas propriedades gerais e particulares, nesta pesquisa, inicia-se com uma visão de diversas características das IES brasileiras e não somente o dualismo entre o entre público e privado.

No paradoxo de finalidades, a generalização das legislações face à diversificação institucional, tende a trazer à tona uma crise no sistema da educação superior, visto que, quando uma organização não conhece seus fins, consequentemente poderá ter problemas em entender quem ela é e como atender seu público. O objetivo geral desta pesquisa contemplou realizar uma análise histórica sobre as finalidades da educação superior face aos principais marcos legais do Brasil. O caminho metodológico percorrido nesse trabalho permeou por um estudo qualitativo, exploratório, com pesquisa bibliográfica.


2. AS ABORDAGENS DAS FINALIDADES NO CAMPO DE ESTUDOS DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO


As perspectivas das finalidades, papel ou função da educação superior, estão elencadas em discussões articuladas com as principais ferramentas ensino, pesquisa e extensão; visão de instituições caracterizadas como pública ou privada; universitárias ou não universitárias, assim como os benefícios sociais e individuais que emergem das instituições de ensino superior.

Diante disso, surgem várias contradições e tensões que nascem a partir desses aspectos e que estão elencados “à missão e orientação das universidades, natureza de seus financiamentos e os benefícios sociais e individuais da educação superior” (Brunner; Uribe, 2007, p. 20).


As principais balizas do debate contemporâneo sobre educação superior podem ser resumidas em grandes questões expressas na literatura em pares conceituais como acesso e equidade; qualidade e massificação; privatização e mercantilização; diversidade e diferenciação (cf. Silva Junior & Sguissardi 2005; Dias Sobrinho 2010; Morosini 2009) (Aguiar, 2016, p.113)


Tais abordagens perpassam por discussões sobre a articulação das ferramentas ensino, pesquisa e extensão, políticas públicas que são direcionadas para tais, fontes de financiamento, qualidade e avaliação, demandas do mercado e da sociedade, bem como a missão da universidade na sociedade, seja ela do viés econômico, político, social ou tecnológico.


A universidade do século XIX foi constituída para a reprodução de uma ciência pura, como um santuário intelectual em que o conhecimento e as verdades acadêmicas não possuem vínculos com o resto da humanidade e o processo de aprendizagem nesse contexto se dá ouvindo o docente, lendo as bibliografias e, em alguns casos, experimentando em laboratório (Tapia, 2008, p. 30).


No Brasil, Cunha (1993, p. 108) ressalta que se vivenciou uma nova demanda da década de 1990 para as universidades, a qual exigiu-se delas um papel: “a produção de conhecimentos que propiciem e acelerem a reinserção dos países da região no mercado mundial”.

Dentre as finalidades do ensino superior, segundo Martinez (2008) existe uma “função” ética que abrange três vertentes: a) uma formação deontológica, referente ao exercício de diferentes profissões; b) a formação cidadã do discente e, c) a formação humana, pessoal e social. Para o autor, existem três finalidades básicas que emergem os papéis da educação superior.

É importante ressaltar que isso demanda também uma nova perspectiva sobre a universidade, mas acima de tudo seu olhar para si mesma e um repensar sobre seu papel na sociedade. O Brasil vem com antecedentes históricos de um retardo concernente à educação superior (Cunha, 1993), a começar pelo processo de criação de universidades brasileiras que se inicia muito depois de vários países latino-americanos e de outros continentes.

Para Gadotti (2000), na era da informação, a escola deve servir de bússola, superando a visão utilitarista de só oferecer informações “úteis” para a competitividade, para obter resultados. É importante entender o utilitarismo visto que se esbarra na discussão da função social ou a funcionalidade das IES e o quanto ela é útil para os vários agentes. Existem basicamente duas perspectivas para o estudo sobre utilitarismo. Na filosofia, este é entendido como uma doutrina ética que prescreve a ação de forma a otimizar o bem estar de um conjunto de pessoas. Na economia, pode ser interpretado como princípio ético o qual determina se uma decisão ou ação é correta.

Há também discussões no que tange a concepção utilistarista e ética sobre a educação superior e seu posicionamento na sociedade. O utilitarismo clássico, defendido por Stuart Mill e Jeremy Bentham se pauta no principio hedonista no qual a finalidade principal da vida do ser humano é a busca pela felicidade que pode ser encontrada na vivência ou aos prazeres ligados ao corpo ou espírito. A concepção utilitarista da moralidade traz uma relação das ações e suas consequências, enfatizando que se uma determinada ação foi melhor a um maior número de pessoas, esta será moralmente correta (Freitas, 2008). Nessa perspectiva, as finalidades da educação superior devem se basear nas ações que atinjam um bem maior, a um maior número de pessoas.

Vivenciamos um período da pós modernidade no século XXI em que silenciosamente as mudanças nas relações sociais acontecem e muitas vezes nos negamos a enxergar. A estrutura familiar, a mídia, o mundo do trabalho já não são mais os mesmos e as mudanças acontecem de forma muito mais rápida do que no século passado.


A universidade do século XXI deverá elaborar formas gerenciais que melhorem seu desempenho em todos os aspectos – seja financeiro, pedagógico ou no seu relacionamento com a sociedade – e superar os resquícios medievais das “corporações de ofícios”, viabilizando estruturas de poder mais abertas à renovação (Siqueira, 2005, n.p.)


Apesar dos vários olhares ao construto finalidade ou função da universidade ou da educação superior, pode-se inferir que todas as abordagens do mundo contemporâneo remetem às discussões que venham considerar os vários tipos de instituições existentes. Com as novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), surgem também novas demandas e exigências de reorganização para as instituições de educação superior, que precisam ao mesmo tempo, quebrar paradigmas tradicionais de ensino e incorporar novas mudanças no contexto educacional. (Barsky; Dávila, 2002).


3. A METAMORFOSE DAS FINALIDADES DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA NAS PRINCIPAIS LEGISLAÇÕES BRASILEIRAS


Optou-se aqui por uma breve contextualização política e econômica em que se situam os marcos legais referentes às Cartas publicadas das Constituições do Brasil. Eles expressam a vontade daqueles que a redigem e aprovam e o panorama em que estão inseridos, o que é fundamental para um breve entendimento do cenário brasileiro (Vieira, 2007).

A Primeira Constituição do Brasil intitulada “Constituição Politica do Império do Brazil”, datada de 25 de março de 1824, nasce em um período em que o anseio pela independência do Império Brasileiro e a desvinculação da Colônia de Portugal é latente. Trazendo traços de um liberalismo moderado. Foi a constituição de maior vigência (65 anos), sendo substituída apenas em 1891 quando o país de torna República (Vieira, 2007). Teixeira (2008, p.147) contextualiza o espaço brasileiro de 1824 como “da ascensão do liberalismo e do constitucionalismo no ideário econômico, político e jurídico, e do positivismo nos campos filosófico e científico”.

Essa carta, portanto, traz apenas duas citações no que tange à educação no país. Ela garante ao cidadão brasileiro a instrução primária gratuita. No que tange a educação superior, explicita “Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes” que o foco da mesma deverá ser o Ensino de Artes, Ciências e Letras demonstrando, mesmo que sutilmente, a preocupação com a educação nesse contexto.

A Constituição de 1824 traz em seu corpo a gratuidade da educação primária que não se manteve na próxima Constituição. A Constituição intitulada Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, coloca a atribuição ao Congresso Nacional de “30º legislar sobre a tessitura municipal do Distrito Federal bem como sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na capital forem reservados para o Governo da União”. Coloca-se a competência do Estado na criação das instituições “criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados”. Nessa lei juntamente com a anterior, não aparece a expressão Educação. Ela enfatiza a laicidade do ensino que permanecerá nos dias atuais (art. 72), mas deixa explícito também que apenas as pessoas instruídas (Art.70) poderiam ter direito a voto e esse princípio em que o analfabeto terá o direito a voto apenas será consolidado/concedido na Constituição vigente atualmente (1988), mas mantendo explicitamente a educação elitista.

A Constituição de 1934, descrita como Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil e promulgada em 16 de julho de 1934 teve um avanço significativo, pois já apresenta em seu corpo a expressão Educação. É um cenário diferente, com o governo de Getúlio Vargas (denominado por Schwartzman (2001), como um produto da oligarquia política positivista), pois essa época é também conhecida como Segunda República ou a Era de Vargas (1930 – 1937) que teve três momentos importantes de ruptura: o primeiro que se inicia em outubro de 1930 com Vargas no poder como membro político, o segundo com Vargas no poder após a Constituição de 1934 e a terceira com Vargas no poder como ditador até 1945 após o Golpe de 19372.

Schwartzman (2001) destaca que foi um momento em que o poder voltou a se concentrar no governo federal e houve uma tentativa de criação de um sistema de abrangência em todo país juntamente com a promoção da industrialização. É também um momento em que surge manifestações de intelectuais, estudantes e lideranças sindicais que lutavam contra as forças elitistas e que apoiavam o caráter religioso nas escolas católicas, lutando por Escolas Públicas. Desta campanha oriunda o Manifesto dos Educadores, um documento intitulado “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em um contexto turbulento no qual, politicamente, o país afastou-se do ideário liberal e se volta a falar do “direito à educação”.

Tem-se uma preocupação no artigo 121, parágrafo 4º, da formação do trabalhador para a produção agrícola. “O trabalho agrícola será objeto de regulamentação especial, em que se atenderá, quanto possível, ao disposto neste artigo. Procurar-se-á fixar o homem no campo, cuidar da sua educação rural, e assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento das terras públicas”. Vem transferir para as maiores indústrias a responsabilidade de proporcionar o ensino primário gratuito, uma vez que esse processo se dá na formação de mão de obra para o mercado de trabalho.

Três anos mais tarde, em 1937, é promulgada a nova Constituição. Para Vieira (2007), o dever do Estado para com a Educação é colocado em segundo plano. Seu texto tem orientação oposta ao texto de 1934, sendo explícita que a educação pública será ofertada àqueles que não têm como estar na educação privada pela questão financeira, arraigando ainda mais o antigo preconceito com o ensino público gratuito porque é direcionado para os pobres. A autora traduz que, a política educacional do Estado Novo está voltada para a Educação Profissional. O que se vivencia no Brasil quanto à baixa qualidade do ensino público primário e secundário atualmente advém em parte como um reflexo desse momento elitista e seletista que referencia o ensino privado básico e secundário da década de 1930.

Pode-se perceber que o período entre 1940 e 1950, o papel das IES era de atender essa demanda do processo de industrialização e a formação do sujeito era basicamente para o mercado de trabalho. Um fator interessante que merece destaque também na Constituição de 1937 é que ela extrai do seu texto que "a educação é direito de todos".

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946 vem em um panorama específico. Terminada a Segunda Guerra Mundial, o governo de Vargas está em queda. Um ponto polêmico nessa época no que tange a educação é a questão do ensino religioso. Teixeira (2008) esclarece isso contrastando as duas correntes da época: de um lado aqueles em que a volta do ensino religioso seria um retrocesso visto que a bandeira da República era “Igreja Livre num Estado Livre” e os que defendiam o contrário. Também é um período orientado, segundo Vieira (2006), por princípios liberais e democráticos. Economicamente é um período de significativo crescimento da industrial. Esse período se reflete diretamente no sistema educacional, que precisa atender a uma demanda industrial cada vez maior e principalmente dentro de um discurso de desenvolvimento do país. A Constituição de 1946 buscou uma conciliação entre uma antiga disputa ideológica dos que apoiavam a escola pública versus aqueles que apoiavam as escolas particulares, proporcionando educação gratuita em contrapartida deixando livre também para iniciativa privada.

Enfatiza-se mais uma vez o preconceito quanto aos que precisam da educação pública, exaltando a iniciativa privada educacional. Essa também é uma ação que ainda pode-se perceber claramente no contexto educacional brasileiro. De um lado, uma educação básica pública de baixa qualidade, que impede o acesso de muitos cidadãos às universidades públicas brasileiras e de outro, aqueles que possuem uma boa base da Educação básica que pode competir com as vagas dos cursos mais disputados na Educação Superior pública brasileira.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 traz algumas mudanças significativas. Vieira (2007) destaca a não fixação dos percentuais de aplicação da receita obrigatoriamente na educação, mantendo a cátedra livre. O texto da Constituição de 1967 (mantendo o texto da Constituição de 1946) traz a competência da União incluindo a nova função relativa aos planos nacionais de educação. Além de ser um direito de todos, deve ser assegurada a igualdade de oportunidades (Art. 168), antes não descrita em 1946. Estabelece para empresas comerciais, industriais e agrícolas a obrigatoriedade da manutenção do ensino primário, mas também de cursos profissionalizantes. É preciso destacar que, em matéria de Constituição, pela primeira vez se destaca o incentivo à pesquisa científica e tecnológica. Aqui, se tem uma das contribuições para perspectiva do tripé universitário, que coloca como eixos centrais da Universidade Brasileira a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão.

Em 1969, houve a publicação da Emenda Constitucional n° 1 de 17 de outubro de 1969 que modifica a Constituição Federal de 1967. Esta Emenda foi implementada em decorrência dos Atos Institucionais emitidos pelo regime militar nos anos seguintes ao golpe militar de 1964. Teixeira (2008) destaca que essa ementa trouxe a obrigatoriedade para investimentos, sendo estabelecida somente aos municípios, estendida à União e aos Estados em 1983. Um salto significativo foi dado da Carta de 1969 até a Constituição de 1988. A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu parágrafo I - princípios fundamentais, destaca a importância de uma nação soberana, que tem como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (Brasil, 1988).

É importante entender que a Lei Soberana Nacional, a Constituição Federal de 1988 em vigência, destaca a Educação em um capítulo específico e a coloca como Direito Social. A Constituição de 1934 já trata o tema Direito Social e a Educação é incluída como tal a partir de 1988. Silva (2010) trata esse direito como prestação que o Estado proporciona à sociedade direta ou indiretamente com o propósito de melhorar as condições de vida dos mais fracos e principalmente buscar a igualdade, equalizando situações desiguais.

No artigo 207, a Constituição é específica para a Educação Superior dando enfoque à autonomia das universidades brasileiras, no que tange à autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Para Schwartzman (1988, n.p.), essa autonomia universitária deve ser bem interpretada, considerando que não se trata de uma autonomia para que alunos, professores, entre outros, façam o que entenderem sem respeitar os princípios e esquecendo-se de atingir os objetivos maiores das universidades que trata de “realizar o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação profissional, através das atividades de ensino, pesquisa e extensão”. Para isso, é necessário que a universidade forme o discente com a capacidade de não somente absorver uma informação, até mesmo porque esta vem se deteriorando de uma forma cada vez mais rápida, mas também de recriar esse conhecimento adquirido e usá-lo em prol da sociedade. O autor também discute que essa autonomia não está explicitada em relação às Faculdades Isoladas e como deve ser o limite dessa autonomia, visto que estas “concentram o maior número de matrículas do ensino superior no país” (1988, n.p.).

Como forma de elucidar essa concentração de matrículas em faculdades isoladas, segundo dados do INEP (2013), no Censo 2010, 85% do total de instituições são as Faculdade Isoladas. Foram consideradas Faculdades: faculdades, faculdades integradas, institutos ou escolas superiores e faculdades de tecnologia o que demonstra claramente a predominância das Faculdades Isoladas no país, que tem como ferramenta principal o Ensino, ficando o Ensino e a Extensão para Centros Universitários e a tríade Ensino, Pesquisa e Extensão para as Universidades.

O Estatuto de 1965 definiu a indissociabilidade do ensino e pesquisa nas universidades e estabelecimentos isolados em nível superior, não restringindo a apenas Universidades. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 207, instaura a restrição da tríplice função (ensino, pesquisa e extensão) como obrigação apenas às universidades, não incluindo as outras classificações de Instituições de Educação Superior. Dai, complementando a Constituição de 188, a LDB de 1996, traz a caracterização das universidades, em seu artigo 52, bem como suas atribuições.

O artigo 209 (CF) dispõe sobre ensino livre à iniciativa, restringindo-a ao cumprimento das normas gerais da Educação Nacional e dando ao poder público o caráter de autorizar e avaliar a qualidade dos mesmos. O artigo 213 tem como objetivo assegurar o patrimônio e o investimento em tal, podendo ser dirigidos investimentos também para escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, sem fins lucrativos que assegurem a aplicação dos excedentes financeiros em educação e “as atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público” (parágrafo 2º). O artigo 77 da LDB/1996 também deixa claro que os recursos públicos podem ser dirigidos às escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas.

O paragrafo 2º do artigo 77 merece destaque, pois trata especificamente a destinação de recursos financeiros para a educação superior, tendo como instrumentos para operacionalização, o apoio à pesquisa e à extensão. Por último, o artigo 214 (CF) enfatiza que os diversos níveis do ensino devem assegurar a erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a melhoria da qualidade do ensino, a formação para o trabalho, a promoção humanística, científica e tecnológica do País e o estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (PIB)3.

A educação é também dever da Família, pela Constituição Federal Brasileira – CF (Art227), não sendo responsabilidade apenas da escola tal. O que muda a partir dessa Constituição é que o texto a inclui também como dever da Sociedade, delegando a todos o dever da Educação. Os textos anteriores só traziam o dever da Família a Estado. Para sua efetivação, não basta a oferta da Educação por parte do Estado. São necessárias, também, ações que viabilizem o acesso da sociedade à escola. A função principal dos direitos fundamentais é considerar a pessoa em sua integralidade, na dignidade da pessoa humana (Baruffi, 2011).

A função da educação superior, não somente da universidade, em contrapartida, está na LDB de 1996, Lei 9.394 em seu artigo 43, indo até mesmo de forma convergente à Constituição de 1988, com uma abrangência não somente no que tange ao Ensino, mas também de forma implícita à pesquisa e extensão a todas as instituições de Educação Superior.


4. A QUESTAO DO PENSAMENTO CRÍTICO NA METAMORFOSE DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL


No artigo 43 da Lei 9394/1996, os fins da educação superior se iniciam com o estímulo da criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e pensamento reflexivo. Para desenvolver um pensamento reflexivo, indo além do pensamento crítico que a CF de 1988 direciona como atribuição ao ensino básico é necessário que as IES, universitárias ou não, primeiramente recebam um contingente de alunos com o mínimo de pensamento crítico para, a partir daí, desenvolver o pensamento reflexivo. Giroux (1997) propõe um conceito de pensamento crítico. O autor coloca a autonomia do estudante como eixo central desse pensamento crítico e que deve ser formado na escola.

Relacionada com as duas principais suposições acerca do pensamento crítico temos uma questão de procedimentos que gira em torno do que poderia ser chamado de contextualização da informação. Os estudantes precisam aprender a ser capazes de saírem de seu próprio sistema de referência, de forma que possam questionar a legitimidade de um determinado fato, conceito ou questão. Eles também precisam aprender a perceber a própria essência daquilo que estão examinando situando-no criticamente em um sistema de relacionamentos que lhe empreste significado. Em outras palavras, os estudantes devem aprender a pensar dialeticamente e não de maneira isolada e compartimentalizada (Giroux, 1997, p.100)

O pensamento crítico está fortemente ligado ao processo universitário de formação. Paradoxalmente, estabelece-se que haja o desenvolvimento do espírito científico, o que pressupõe um desenvolvimento alicerçado na pesquisa em especial que é uma das principais ferramentas das IES para tal. Visto que a pesquisa é um meio obrigatório juntamente com sua indissociabilidade ao ensino e extensão apenas para 8% (Inep, 2013) do total de IES brasileiras, correspondentes às Universidades, significa uma abertura para repensar em como essa finalidade será alcançada pelos 92% restantes de instituições.

Uma das discussões sobre esse ponto explicitado na Legislação é a compreensão sobre algumas teorias. A primeira nos remete à Teoria do Conhecimento “desenvolvimento do espírito científico” e a segunda sobre o processo ensino-aprendizagem quanto ao “pensamento reflexivo”.

Quanto ao primeiro tópico ligado ao desenvolvimento do espírito científico, optou-se por trazer a contribuição de Dewey (1959) que defende o pensamento reflexivo que tem como objetivo uma conclusão, que deve sempre nos conduzir a algum lugar e, ainda, que o pensamento reflexivo nos impele à indagação. O processo de produção científica e suas principais diferenças em relação ao senso comum tem como eixo central o obstáculo epistemológico. Para tanto, o desenvolvimento do espirito científico se dá pela superação de tais obstáculos.

Por ser um sujeito histórico e social, o homem precisa a cada dia conhecer cada vez mais, questionar mais e melhor. O espírito científico é movido pela problematização, pelo questionamento. Daí, entra-se em análise o segundo ponto explícito no inciso I: “desenvolvimento do pensamento reflexivo”. O pensamento reflexivo é um processo de pensamento onde o sujeito toma suas concepções de mundo (conhecimento), de natureza metacognitiva (Leitão, 2007).

Araujo et al (2012) trazem que a prática reflexiva é uma alternativa para melhoria na atuação profissional e pessoal. A reflexão, portanto, é um processo por meio do qual o sujeito dá significados e desenvolve padrões de comportamento que direcionam suas ações a partir de experiências vividas (Silva, 2009). Os autores se apoiaram em Schon (2000) para definirem a ideia de pensamento reflexivo a partir do desenvolvimento dos pensamentos crítico, criativo e introspectivo, fundamentado na possibilidade de desenvolver uma reflexão-na-ação.

O Brasil, historicamente na estruturação do campo educacional por meio de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, desde a década de 1920, sofreu forte influência das ideias do autor Dewey (1959). Em Dewey (1959), encontramos também três importantes atitudes que devem ser cultivadas se temos como finalidade o desenvolvimento do pensar reflexivo, que são: espírito aberto – consiste em colocar-se numa atitude de disponibilidade para considerar o novo, abrir espaço para a circulação de novas perspectivas; de todo o coração – envolve a relação emocional, afetiva diante de uma causa, de um desafio, pois é importante que caminhe lado a lado do desenvolvimento intelectual o envolvimento, a disponibilidade de envolver-se com entusiasmo diante das situações que nos são apresentadas, dos desafios que surgem na nossa vida; responsabilidade – atitude necessária na análise das novas perspectivas, da novidade, uma vez que examina as consequências das decisões tomadas, dos passos projetados para assumi-los com responsabilidade, pois esses não deixam de constituir-se em escolhas, opções realizadas pelo sujeito.

O inciso II, do art.43, da LDB -“formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua” - traz um enfoque profissional, técnico e de formação cidadã com o qual o desenvolvimento da sociedade brasileira pode ser entendido como desenvolvimento ou crescimento econômico, político e social. Além da formação para a inserção do sujeito no mercado de trabalho, traz a formação para o desenvolvimento da sociedade e o discurso de formação continuada.

A multidisciplinariedade é um tema defendido nesse inciso com orientação não somente ao atendimento ao mercado laboral, mas também ao desenvolvimento da sociedade brasileira, que não significa necessariamente apenas o desenvolvimento econômico. O desenvolvimento da sociedade brasileira inclui um desenvolvimento político e social, visto que o contexto democrático brasileiro, pelo menos na teoria preza por tais.

Dadas às circunstâncias, mesmo que prevaleça um desenvolvimento econômico, não se pode mais associar a uma narrativa nacional neste mundo globalizado onde já não há mais fronteiras para a economia e exige um olhar transnacional da educação para que os avanços sejam coerentes e acompanhem o desenvolvimento mundial. “No Brasil são poucas as IES que possuem a cultura da internacionalização e que assumem estratégias pontuais para promover o esforço da internacionalização” (Reis, 2007, p. 34).

Com isso, as universidades com os aportes sistemáticos de produção de conhecimento, bem como o privilégio exclusivo de fazer pesquisa no contexto educacional formal, tendem a conseguir esse espaço de uma maneira muito mais veloz do que as outras IES, mas muito mais lenta em relação ao mundo visto sua representatividade no cenário brasileiro e dependência ainda muito entrelaçada com o Estado.

Os Incisos III “incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, e desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive” e IV “promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação” visam o incentivo do trabalho de pesquisa e investigação científica, estimulando as publicações científicas e difusão do saber de forma a garantir a continuidade das pesquisas e avanço científico, demandando o ensino e a pesquisa como alicerces deste item.

A função da “pesquisa” aparece como uma ferramenta a ser inserida por todas as instituições, como uma função da educação superior e não da universidade, sendo colocada de uma forma generalista, em situação de tensão potencial com a legalidade visto que é uma ferramenta obrigatória e dimensionada somente para as instituições universitárias (Universidade) não abrangendo, conforme Decreto nº 5.773/06, centros universitários (Ensino e Extensão) e Faculdades (Ensino).

Apesar de sermos um país em ascensão de crescimento econômico, estamos em 13º lugar no ranking dos países com maior volume de produção científica do mundo que intensificou os investimentos com a ajuda da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Segundo dados da Capes (2013), em 1981, o país ocupava a 27ª posição; em 1991, a 23ª; em 2001, a 17ª; em 2008, alcançou a 13ª posição ultrapassando países com longa tradição em ciências, como Suécia, Suíça, Bélgica, Israel, Dinamarca, Áustria, Finlândia, Holanda e Rússia, melhorando sua posição no ranking, mas ainda muito aquém face ao volume de Instituições no país.

Quanto ao inciso V, que trata de “suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração” este trata na descoberta continua do conhecimento ao mesmo tempo em que deve ser feita de forma sistematizadora para ser contínua e que garanta que esse conhecimento seja repassado e adaptado a cada geração. Este inciso traz também o enfoque tanto para o mercado de trabalho, como o aperfeiçoamento constante profissional tanto para o aperfeiçoamento cultural.

Em consonância com o inciso anterior, no tocante ao desenvolvimento da sociedade, com número de instituições que trabalham com a pesquisa e busca de soluções para problemas da sociedade, será proporcionalmente pequeno juntamente com o desenvolvimento tecnológico, social, econômico e político do país.

Os incisos VI “estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade” e VII “promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição” estão direcionados à prática de ações diretas na comunidade em que estão inseridas, levando para a comunidade a produção científica e tecnológica geradas na instituição, além das ações relacionadas ao enfrentamento dos problemas do mundo atual, sejam eles nacionais, ou regionais por parte dos envolvidos. Daí a extensão é enfatizada nesse inciso como um meio de promulgação deste.

É interessante salientar que como uma finalidade da Educação Superior não somente da universidade é a “promoção a extensão” visando à difusão das conquistas oriundas da criação cultura e pesquisas geradas na instituição. Uma contradição clara nesse inciso é que se apenas as universidades são obrigadas a garantir a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. Como as instituições não universitárias que têm como foco o ensino irão atender esse inciso do artigo 43º da Constituição?

Em 2003, os centros universitários também foram estabelecidos como obrigados a manterem essa indissociabilidade. Por meio do Decreto nº 4.914 de 11 de dezembro de 2003, “os centros universitários já credenciados e os de que trata o art. 1º, se credenciados, deverão comprovar, até 31 de dezembro de 2007, que satisfazem o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”, mas ainda não incluindo as Faculdades (Brasil, 2003).

Os artigos 44º e 45º tratam dos tipos de cursos que serão disponibilizados pelas IES, oriundos de cursos sequenciais até cursos de extensão e que a educação superior “será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização” (Brasil, 1996).

O artigo 46º trata sobre o processo de reconhecimento e autorização dos cursos, com um decreto específico para tal, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino por meio do Decreto nº 5.773 de 09 de maio de 2006. O artigo 47 estipula o período mínimo de 200 dias para o ano letivo na educação superior, excluindo o tempo reservado para exames finais, tendo que ser informado a todos os envolvidos antes do inicio do período letivo, enfatizando a obrigatoriedade da presença de alunos e professores, salvo na educação à distância, garantindo também a oferta de cursos noturnos no mesmo padrão de qualidade dos cursos diurnos. O artigo 48 trata da abrangência e registro dos diplomas expedidos por instituições nacionais e estrangeiras.

O artigo 52 esclarece quanto à pluridisciplinaridade das universidades e exigências do corpo docente, quanto a titulação, colocando que 1/3 do corpo docente, pelo menos, deve ter titulação acadêmica de mestrado ou doutorado. Os artigos 53º e 54º tratam do tema autonomia da universidade. O tema, muito discutido por haver várias interpretações sobre tal, ainda é um retrato de ambíguas interpretações de sua abrangência no Brasil que oriunda da Constituição e foi estendida para LDB desde a década de 1960 e vem sendo discutida com várias tentativas de regulamentação.

As transformações ocorridas a partir da LDB de 1996, decretos e leis no Governo FHC (1995-2002), trazem a universidade assumindo um papel mais utilitarista, com um viés de formação profissional. De acordo com Cunha (2003), nesse contexto, a educação superior deve se pautar em uma administração com uso mais racional de recursos e com foco em utilizar melhor seus recursos pessoais e financeiros. Seu papel, portanto, deve ser repensado.

Oliveira (2013, np.), destaca que “a nova forma de gestão gerencial, redefiniria a organização, o financiamento, a regulação, o controle e a gestão das instituições para que oferecessem melhores serviços e obtivessem melhores desempenhos”, corroborando com as ideias de Cunha.

As transformações acompanham o cenário econômico e político. Em uma perspectiva mais atual, no governo Lula (2005 – 2010), percebe-se que há um enfoque de expansão da educação superior pública no contexto brasileiro, especificamente da rede Federal, com a interiorização das universidades.


Esse processo vem demonstrando a importância atribuída às universidades como agentes fundamentais na promoção do desenvolvimento econômico e social, cobrando-as pela sua relevância e fins como instrumentos estratégicos para o progresso econômico do país, bem como das regiões em que estão localizadas, fato que exige alterações na gestão das instituições para que possam assumir os novos papéis sociais demandados (Oliveira, 2013, np)


As políticas que se mantiveram como continuidade no governo Dilma (2011-2015), trouxeram também o viés de expansão da educação superior, mas aprofundou também a mercantilização desta, visto o aumento de grupos de investimento que viram oportunidade nesse mercado “exploram a educação superior como uma commodity cuja principal função é gerar dividendos aos acionista” (Aguiar, 2016, p. 125).

A partir disso, as finalidades da educação superior vêm se transformando. A educação superior brasileira é um campo de vastas oportunidades para discussões e pesquisas, visto que se trata de um sistema ainda em consolidação no país.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Ao realizar esta pesquisa, percebeu-se que o incentivo à iniciativa privada com a expansão exorbitante do número de Instituições de Educação Superior no país, a partir de 1990 trouxe uma metamorfose explícita ao cenário de educação superior brasileiro que vivencia um paradoxo de um ensino básico (fundamental e médio) públicos de baixa qualidade com uma valorização destes níveis educacionais no âmbito privado comparado com uma educação superior privada de qualidade questionável em consonância de um ensino superior público seletista e de melhor nível qualitativo.

O processo de expansão da educação superior vivenciada na década de 1990 no Brasil gerou, portanto, um volume de IES com características distintas, o que levou o Estado, hoje com uma função um pouco mais reguladora e de supervisão do que de controle, a regular, classificando as instituições quanto à sua organização acadêmica, fins lucrativos ou não, públicas ou privadas, além das ferramentas ou meios prioritários que adotam cada tipo de instituição, como o ensino para as faculdades, o ensino, pesquisa e extensão para centros universitários e para as universidades.

Juntamente com a diversificação institucional vivenciada e distinção de ferramentas da educação superior quanto à classificação acadêmica institucionalizada legalmente, as finalidades da educação superior são declaradas como comuns a todas as instituições, trazendo no texto legal atribuições gerais às distintas instituições. Não se pode exigir de uma instituição não universitária os mesmos fins de uma instituição universitária, mas é preciso buscar um padrão mínimo de qualidade que atendam à função social da educação e o pleno uso das ferramentas.

A identificação e análise das finalidades existentes atualmente na legislação brasileira diante da diversificação institucional existente no sistema permitiu concluir que as finalidades descritas na LDB de 1996, Constituições e na Constituição Federal de 1988 não traduzem a realidade da diversificação institucional existente, uma vez que trazem todas as ferramentas (ensino, pesquisa e extensão) direcionadas para atendimento por parte de todas as instituições e, tem-se no contexto brasileiro, 83,9% de Faculdades (INEP, 2015) que tem como ferramenta obrigatória somente o “ensino”.

Pode-se inferir que as legislações não avançam com a mesma rapidez que ocorrem as transformações no contexto da educação superior. O ensino, pesquisa e extensão, a tríade universitária, são as ferramentas ou meios utilizados pelas instituições para alcançarem um determinado fim ou objetivo final. Os principais papéis da IES brasileiras direcionam, no discurso, para uma formação técnica e comportamental de qualidade, formação cidadã, formação de seres humanos reflexivos, socialmente ativos e que sejam capazes de transformar a sociedade em um mundo melhor.

Diante disso, as finalidades gerais da educação superior, levam a inferir que todas as instituições, sejam elas, faculdades, centros universitários e universidades, possuem o mesmo papel, porém com ferramentas (ensino, pesquisa e extensão) direcionadas de formas distintas.

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1Fabiane Clemente - Doutora em Ciências da Educação, Professora da Universidade Federal do Amazonas/UFAM, graduada e Mestre em Administração. E-mail: fabianecl@uol.com.br - fabianeclemente@ufam.edu.br

2

O golpe de 1937 no Brasil aconteceu em 30 de setembro de 1937, no qual houve a disputa de dois apoiadores da revolução de 30 e denúncia pelo Governo de Getúlio Vargas, acusando a existência de um possível plano comunista para a tomada do poder. Esse plano ficou conhecido como Plano Cohen.



3

O PIB Brasileiro, Produto Interno Bruto, é caracterizado pelo total de valores contabilizados a partir dos bens e serviços produzidos em todo o país em um determinado período de tempo.



Rev. educ. super. sur glob - RESUR Nº2 ene - jul. 2016. 41-63 ISSN 2393-6789

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